Segundo a OMS o risco de suicídio é a causa de 14% das mortes no mundo. Vem sendo observado um progressivo aumento do número de mortes dessa natureza. Curiosamente, comparados com a população o médico, que é o profissional procurado pelo paciente quanto está doente, tem maior risco de suicídio, quando comparado a outros profissionais. Esse risco ocorre três vezes mais com os homens médicos, quando comparados com controles (não médicos). Já nas mulheres médicas, este risco representa cinco vezes mais.

Segundo a American Foundation for Suicide, entre 300 e 400 médicos se suicidam anualmente. Então, quando o trabalho se transforma em sacrifício, um sofrimento, quando levantar da cama para trabalhar se torna uma tarefa hercúlea, acumulando progressivamente as emoções negativas, é preciso reconhecer os pedidos de ajuda médica. O esgotamento dos limites físicos e emocionais pode levar ao consumo abusivo de álcool e drogas psicoativas e à automedicação. Estes são fatores associados à ideação suicida. Então o que fazer se aquele que pedimos ajuda também está doente e sofre mais risco do que o próprio paciente?

A depressão, como o próprio nome diz, é uma diminuição da atividade de áreas específicas do cérebro. Existe uma série de neurotransmissores – serotonina, melatonina, norepinefrina, dopamina e glutamato – que são substâncias que estimulam o cérebro, o mantém funcionando de maneira adequada. A vontade de viver é um dos itens que demonstra um funcionamento normal do cerebral. Por essa razão, quando em estado depressivo, a pessoa não enxerga sentido na vida, tem sentimento de tristeza e  anêdonia– falta de prazer em realizar atividades antes prazerosas.

Na prática, mais de 1/3 dos pacientes não respondem à abordagem farmacológica inicial, mesmo que substitua ou acrescente uma outra medicação. Quando isto ocorre o termo usado pela medicina é refratariedade à medicação. Sendo assim, é importante discutir outras estratégias além das medidas convencionais.  “fora da caixa” em casos de refratariedade.

Reportagem sobre modalidades do tratamento “fora da caixa” no tratamento do cérebro e da depressão refratária

A primeira é indicar o tratamento de neuromodulação cerebral não invasiva – uso da tecnologia eletro-magnética para estimular a área do cérebro que esta em baixa atividade no paciente com depressão. Como já mencionado na depressão existe uma diminuição de atividade cerebral em uma região denominada de córtex pré-frontal. Entre as técnicas de neuromodulação cerebral não invasiva destaca-se o uso da técnica com a utilização da Estimulação Magnética Transcraniana Repetitiva (EMTr) que, através um aparelho, produz energia que passa por uma bobina e gera um campo magnético, atravessa a calota craniana, capaz de estimular  2cm de profundidade áreas corticais cerebrais. A EMTr praticamente não tem efeitos colaterais indesejados ao contrário da eletroconvulsoterapia (ECT), conhecida no passado como eletrochoque. Na EMTr o paciente entra e sai consciente da sessão, diferentemente da ECT, onde o paciente sai sonolento e pode ter perda de memória após o procedimento. A resposta ao tratamento da EMTr normalmente é mais rápida em comparação aos remédios. Em média 2/3 dos pacientes que não responderam a medicação podem obter resultado ao tratamento com EMTr. A ECT seria indicado somente em casos em que não houvesse resposta à EMTr.

Tratamento da depressão refratária com Estimulação Magnética Transcraniana Repetitiva.

A segunda estratégia considerada, hoje, off label, é a utilização endovenosa da ketamina – um anestésico de ação rápida, muito utilizado para alivio da dor aguda, em crianças ou adultos que sofreram de queimaduras graves. É um anestésico mais seguro por ter uma ação anestésica rápida e com menos efeitos depressores do sistema nervoso central. Vários estudos demonstram resultado favorável à Ketamina no alivio dos sintomas agudos da depressão. Apesar dos inúmeros trabalhos apresentarem resultados favoráveis à ketamina, como antidepressivo, a curto prazo, é certo que ainda não se tem uma definição científica a esse respeito a longo prazo. Um estudo de meta-análise – o estudo de vários outros estudos-, publicado em 2016, pela revista Neuropsychiatric Disease and Treatment, demonstrou que, em 9 estudos de alta qualidade técnica que totalizaram 368 pacientes, a taxa de remissão da depressão em 24 horas foi de 52.2% para aqueles que receberam infusão de Ketamina, comparado com 20.6%, daqueles que não a receberam. Em 72 horas a taxa de resposta foi de 52.2%, comparada com 20.6% daqueles que não receberam a medicação. “Fica claro o efeito da Ketamina, pelo menos a curto prazo, em reverter a crise aguda da depressão e, consequentemente, os pensamentos suicidas.

Reportagem sobre o uso da Ketamina endovenosa

A terceira possibilidade para casos refratários à terapia medicamentosa seria a utilização de testes farmacogenéticos que podem direcionar, com melhor eficácia e menos efeitos colaterais, a medicação antidepressiva. Não raro o paciente pode não responder à primeira medicação ou ter efeitos colaterais intoleráveis e, assim, acabar desistindo do tratamento. Uma pequena amostra da saliva é retirada para o teste farmacogenético. O resultado pode identificar a sua afinidade genética com 59 fármacos, entre antidepressivos, ansiolíticos, antipsicóticos e estabilizadores do humor. Estudo recente, publicado com 294 pacientes refratários, o tratamento medicamentoso guiado pelo teste houve uma taxa de respondedores de  51.3%, quando comparado com 36.1% daqueles que não utilizaram o teste. 

Muitos médico mais conservadores deverão afirmar que faltam mais estudos para utilização destas últimas duas estratégias na depressão com risco de suicídio mas, como dizia Carl Sagan, “a ausência de evidências não é evidência de ausência”.

Dr. Rafael Higashi é mestre em medicina, nutrólogo e neurologista.  Diretor médico da Clínica Higashi Rio de Janeiro. ( 21-34398999 / 21-982084972).