Os transtornos mentais afetam o mundo muito antes da COVID-19. Listadas como como duas das principais causas de incapacidade, encontram-se a depressão e a ansiedade. Durante a pandemia que se instalou em 2020, percebe-se que em todo o mundo existe o medo de uma infecção pelo vírus; sentimentos de: tristeza ou ansiedade quando se está contaminado ou doente pelo COVID-19; luto pelas perdas; incertezas sobre o futuro; instabilidade, mudanças e inseguranças nos empregos, trabalhos e projetos. Assolados pelas notícias alarmantes e isolados todo esse período de distanciamento social, é possível que muito sofrimento emocional seja causado e com isso cada vez mais a necessidade de cuidar da saúde mental. Olhar para essa questão e oferecer apoio e recursos profissionais é essencial e necessários para a saúde, qualidade de vida e bem-estar da sociedade.

Na neurofisiologia da depressão, existe uma diminuição da produção de neurotransmissores cerebrais como serotonina, dopamina, norepinefrina entre outros,  além de uma diminuição da atividade cerebral de uma região cerebral denominado de cortes pré-frontal dorso-lateral à esquerda. Entre os sintomas principais do quadro: baixo nível de energia, humor deprimido (na maior parte do dia, quase todos os dias), perda de interesse por atividades ou prazer pela vida.  É importante ressaltar que diante de acontecimentos diversos, é natural o sentimento de tristeza em situações de perdas, de mudanças, insucesso num projeto ou em uma prova acadêmica e várias outras situações do cotidiano, no entanto, se estes sintomas durarem mais de 2 semanas, podendo chegar a meses ou até mesmo ano(s), a depressão pode ser confirmada, conforme avaliação e diagnóstico médico. 

O gatilho da depressão podem surgir de fatores genéticos, ambientais e sociais. A depressão e sua intensidade, pode variar de pessoa para pessoa, mas os sintomas comuns observados são: alterações de apetite  (aumento ou redução), alterações de peso (ganho ou perda), alterações de sono (insônia ou sono excessivo), baixo nível de energia – fadiga), alterações de atenção e dificuldades de concentração, problemas  de memória, alterações psicomotoras (lentidão ou agitação), desânimo, desmotivação, irritabilidade, abuso de tabaco, álcool e/outras drogas, sentimento de culpa, desesperança, auto desvalorização, baixa autoestima, alterações de auto-imagem, isolamento, sentimento de inutilidade, dificuldades de relacionamento, pensamentos negativos, pensamentos sobre a morte e até mesmo sobre suicídio. Estes sinais quando percebidos não podem ser ignorados, sendo necessário procura de profissionais especializados. É fundamental que a depressão seja diagnosticada e tratada o mais cedo possível, pois conforme estudos, a depressão está associada a baixa qualidade de vida e aumento no risco de suicídio.

O tratamento tradicional da depressão envolve o tratamento medicamentoso e psicoterápico, entretanto, em alguns casos, a medicação pode causar efeitos colaterais e/ou indesejáveis, o que faz muitos pacientes não aderirem de forma eficaz ao tratamento com remédios ou então por conta da refratariedade, que é o termo usado para se referir a tolerância a medicações ou a falha de resultados com o tratamento farmacológico, o que conforme estudos, esse fato ocorre em 1/3 dos pacientes. Com isto, as técnicas complementares  ou alternativas têm sua importância como é o caso da Neuromodulação Cerebral Não Invasiva que é uma abordagem de tratamento que se utiliza  de tecnologia elétrica ou magnética para produzir efeitos de modulação como inibição ou estimulação da atividade cerebral.

A Estimulação Transcraniana de Corrente Continua (ETCC) é uma das técnicas de Neuromodulação Cerebral Não Invasiva baseada em estimulação por corrente direta, com efeito de induzir alterações da excitabilidade cortical, através do couro cabeludo. São utilizados 2 eletrodos (anodo e catodo), que colocados em diferentes posições, ligados a um equipamento específico, criam um fluxo de corrente elétrica, contínua e de baixa voltagem (baixa intensidade) que atinge o córtex cerebral de forma focal. Apesar da aplicação ser focal, os efeitos atingem área corticais adjacentes e distantes da região alvo estimulada, podendo ainda atingir área profundas. As montagens podem ser monopolares ou bipolares, ou seja, na montagem bipolar ambos os eletrodos se encontram sobre a área cefálica em que os efeitos dos estímulos se localizam. Vantagens do uso desta técnica: não invasiva, poucos efeitos colaterais, alta tolerabilidade, eficácia de resultados. Os protocolos de tratamentos são feitos de forma personalizada conforme avaliação prévia. As sessões têm duração de 20 a 50 minutos e a maioria dos tratamentos requer entre 10 a 30 sessões que podem ser realizadas semanais, quinzenais ou mensais.

NeuroConn technology brand from Germany.O equipamento utilizado é o tDCS DCStim Plus, um equipamento aprovado pela Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), cujo diferencial deste equipamento é o conversor A/D (analógico/digital) de 16 bits, com precisão da corrente elétrica de baixa voltagem fornecida e com baixo ou nenhum ruído durante a aplicação, o que é fundamental para aplicações de outras técnicas como TACS (corrente alternada senoidal), tRNS (ruído randômico) e ainda, com este equipamento é possível realizar a técnica Closed Loop, que utiliza simultaneamente o Eletroencefalograma (EEG).

Em 2019 um estudo controlado, realizado no Serviço de Neuromodulação do Instituto de Psiquiatria da USP associado a uma equipe de estudo internacional (Austrália, Canadá, Estados Unidos, Brasil, França, Alemanha) e publicada na revista Progress in Neuropsychopharmacology & Biological Psychiatry com 243 pessoas, todas diagnosticadas com depressão, com o objetivo de comparar a eficácia do uso da técnica neuromodulação não invasiva, por estimulação de corrente continua (ETCC) e o uso de medicação (escitalopram) no tratamento da depressão grave. Uma bateria de avaliação neuropsicológica foi aplicada no estudo com todas as 243 pessoas. O resultado do estudo demonstrou que não houve piora em nenhum dos grupos pesquisados, ou seja, ambos apresentaram melhora de mais de 50% no tratamento da depressão, sendo que o grupo que recebeu tratamento com a ETCC apresentou ainda, conforme o estudo, melhora na comunicação (fluência verbal). 

Um outro estudo de meta- análise, publicado no Journal of Affective Disorders, coordenada pela equipe da USP e outros pesquisadores da Austrália e Alemanha,  com o objetivo de investigar a eficácia da ETCC em comparação com os antidepressivos, com dados de 572 pacientes analisados com diagnósticos de depressão moderada ou grave, onde 67% destes participantes já tinham histórico de refratariedade a medicação antidepressiva. O estudo observou que o tratamento com ETCC se mostrou como um tratamento eficaz, seguro, tolerável e nenhum efeito adverso sério foi encontrado, além de que o tratamento com ETCC não está associado a déficits cognitivos (alteração da atenção, raciocínio, memória entre outras funções cognitivas) conforme o estudo. É importante ressaltar ainda que o estudo concluiu que os efeitos da ETCC podem ser vistos após o período do tratamento com ETCC. 

Um estudo publicado 2019 pela revista Neuroscience Letters realizado pelo servico de psicofisiologia da Universidade de Medicina de Instabul  com o objetivo de  comparar as técnicas de neurmodulação não invasiva, utilizando o Neurofeedback e a ETCC em 16 adultos saudáveis.  Este estudo demostrou que houve aumento da memória de trabalho nos participantes com ETCC e, também, que nenhum efeito colateral foi encontrado no estudo. O que indica melhoria de função cognitiva para aumento de performance em pessoas saudáveis.

Um estudo de revisão sistemática selecionou 26 estudos , sendo 20 de depressão e 6 de psicose, realizada no Japão por uma equipe de pesquisadores  do centro nacional de neurologia e psiquiatria de Tokio, e publicada em 2017 na revista Clinical EEG and Neuroscience,  foi realizada com o objetivo de comparar os efeitos do ETCC em pacientes com sintomas psiquiátricos de depressão e psicose. A pesquisa concluiu que o uso do ETCC pode ser eficaz no tratamento dos sintomas negativos da depressão e psicose (delírios), e ainda é um método seguro, portátil e de baixo custo.

Mais informações sobre Neuromodulação Cerebral Não Invasiva: Clínica Higashi tel 21-34398999 ( Rio de Janeiro) e 42-33238744 ( Londrina).

Referências:

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